Maio, Mês de Maria

Um romance de autor. Boaventura Cardoso, um escritor revelado no pós-independência e dono já, em sua bibliografia, de títulos importantes na afirmação e 10 MAIO, MÊS DE MARIA 11 re-definição da literatura angolana contemporânea (A Morte do Velho Kipacaça e O signo do fogo, p. e.). aqui, constrói uma narrativa de forma quase sempre subtil, ardilosa mesmo, numa linguagem que não abdica dos contributos populares para um estilo persistentemente procurado e construído. Essa linguagem, cuja adequação à matéria enformada é visível, é ainda expressão da sua consciência de escritor que sabe ser a língua portuguesa também personagem na História do País. Romance quase intolerável este, da morte de uma camada social germinada contra natura pelo sistema colonial e incapaz, agora, de se afirmar na Independência. Desfasados e desadequados os métodos de seu surgimento, construção e afirmação, ainda João Segunda, para se manter, tenta contrapor e ensaiar novas tácticas que a revolução proporciona. Mas tudo e todos são varridos por novas forças que os aprendizes de feiticeiro desencadearam. Romance-crónica também, daqueles anos da peste incubando no inexorável irracionalismo que, em crescendo, desagua no final apoteótico da procissão da virgem. Romance de uma derrota: de um homem, sua família, seu grupo social. Porém, derrota que, necessariamente, arrasta consigo o vencedor. No caos instalado, a apoteose final do romance soa a apocalipse. Luandino Vieira